Você já prestou atenção num pote de conserva?

Eles são transparentes, de vidro, e geralmente precisam mais de técnica do que força para serem abertos.
Durante minha juventude eu comparava minha autonomia a conseguir abrir um pote de conversa. A inocência da juventude, perdoem.
Eu acreditava que se conseguisse abrir sozinha um “pote de conserva” seria como se eu contasse ao mundo que eu PODIA. Podia qualquer coisa, que eu era f*da. Não precisa de ajuda, opiniões ou o caminho das pedras, eu não queria aprender com o erro dos outros, queria os meus erros. Quanta arrogância!
Eu tinha uma ânsia em realizar algo grandioso, vencer as resistências, persistir diante das dificuldades e finalmente deleitar-me com minhas conquistas.
Mal sabia eu que a vida não está nem aí para as minhas vontades ou planejamentos. A vida vai acontecendo, desafiando, e a agente como água vai fluindo para continuar exercendo o foco de manter nossos objetivos.
Às vezes, penso que a vida é como uma academia onde a gente desenvolve a musculatura para um dia ser uma linda borboleta e, finalmente encontrar o bem-estar de sermos quem somos e realizar o que realizamos.
A conserva não era sobre se alimentar, mas sobre a fome de agarrar o mundo e dizer, eu te domino.
Hoje, já descobri que não domino quase nada, não resolvo tudo e nem quero dar conta de muitas outras coisas – quero e preciso de ajuda, sempre.
Hoje, quero saber onde tem buracos no caminho, a iluminação do percurso, sinalização, postos de parada muito bem equipados e com quem dividirei o caminho.
Se ainda abro potes de conserva? Nunca mais abri…

Hoje, sempre que posso peço para o marido abrir. É uma espécie de recado silencioso, que só acontece na minha cabeça mesmo, mas que diz: “você pode cuidar de mim”, “aceito sua ajuda” e “te quero sempre por perto”.
Porque no fim das contas, no pote de conservas, só tem conservas e essas são muito melhores quando as dividimos com aqueles que amamos.
*Artigo originalmente publicado na Revista Statto em 18 de setembro de 2021. Disponível em: https://revistastatto.com.br/bem-estar/razoes-de-viver/potes-de-conserva-e-declaracoes-de-amor/
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